
Olá. Ainda são duas da madrugada. Não consegui dormir mais do que uma hora. Acordei agora e do nada, como algumas vezes e quando menos esperamos acontece com as mulheres grávidas, me assaltou uma louca vontade de comer algo diferente: um cachorro-quente especial.

Acho que há mais de 20 anos que não saboreio um desses lanches. Eu me refiro a um lanche especial, e não daqueles magrinhos e só com dois ingredientes: um pãozinho anêmico e uma raquítica salsichinha com uma das pontas enfiada na latinha de molho ou de extrato de tomate. Lanchinhos que eram vendidos em muitos lugares, como no antigo parque de diversões do Play Center da Barra Funda e nas lanchonetes das Lojas Americanas (quem não é mais tão jovem saberá do que estou falando).
O cachorro-quente que desejo agora, e que havia em pouquíssimos lugares, era preparado com um robusto, corado e fresquinho pãozinho francês, recheado com duas belas salsichas levemente cozidas no vapor, muita batata-palha fininha e crocante, purê de batatas de verdade, saladinha com repolho, tomatinho, azeitonas e manjericão, queijo parmesão raladinho, maionese, uma pitadinha de mostarda e molho de tomate preparado demoradamente no fogão. Os americanos e os alemães podem dizer o que quiserem, nunca me convencerão de que o hot-dog deles é superior a esse cachorro-quente da minha juventude. Ninguém precisa me ensinar a história do hot-dog original e que ele não era preparado assim, com tantos ingredientes. Não me interessa esse lancheco mirrado e seco feito só um pãozinho e uma salsicha.

Naquela época raramente a gente conseguia encontrar esses cachorros-quentes diferenciados. Do lado do Shopping Lapa, na Zona Oeste paulistana, havia um senhor de cabelos brancos e muito gentil que era mestre em preparar lanches assim. Duas mulheres o ajudavam. Enquanto uma cortava os pães, esquentava as salsichas e o molho e o senhor montava e entregava os lanches, a outra recebia e dava o troco. Na hora do almoço a fila começava a se formar do lado do carrinho e se estendia até dobrar o quarteirão. Seu filho o ajudava, indo a toda hora até a padaria do lado pra comprar pãezinhos quentes. Apesar de haver muitos bons restaurantes dentro do shopping e nas ruas laterais, funcionários e gerentes de lojas, das agências bancárias, professoras das escolas vizinhas e as pessoas que passavam iam engrossando a fila para saborear aquela iguaria.
E essa vontade de comer um lanche de tal magnitude me chegou acompanhada de uma taça de vinho tinto, dá pra acreditar? No lugar de uma tradicional latinha de coca-cola ou de guaraná, um saboroso vinho. Ainda que não seja o melhor acompanhamento para um lanche, não haveria melhor troca, porque aprecio um bom vinho e nesse momento é isso que o meu paladar pede. Mas onde encontrarei esses tesouros agora?

Dizem que nas altas horas da noite, quando todas as lojas estão de portas fechadas, é que de repente o estômago de uma grávida tem os desejos mais estranhos, e mesmo se a despensa da casa estiver repleta de comida, de bolos, pães, queijos, cremes, bebidas, doces e outras guloseimas, o companheiro dela não encontrará ali o que ela deseja. E nem adianta tentar enganar uma mulher com fome, muito menos uma mulher nesse divino estado de encantamento, quando são capazes de me deixar ainda mais encantado e apaixonado por todas elas.
No meu caso, os armários da cozinha estão só de enfeite nas paredes, completamente vazios há mais de um ano. Não há louças, fogão nem geladeira no apartamento. Até água aqui, só de torneira. Se não fossem dois guarda-roupas abarrotados de livros, com duas calças e meia dúzia de camisas, e um velho e puído sofá onde estendo meu esqueleto, meu apartamentinho estaria completamente vazio. Suas paredes nem devem perceber quando entro ou saio. Na verdade, apesar do meu corpo estendido nas almofadas, nem mesmo eu sei se ainda estou aqui.
Pois bem, vou começar a ler mais um livro, na esperança de que a insônia me esqueça e o sono venha. Aí, tentarei dormir para abortar essa imensa vontade do cachorro-quente e do vinho. Dormir para esquecer pelo menos por algumas horas muitos outros desejos impossíveis que venho acumulando durante estes últimos anos.
Hoje é domingo e caso eu acorde ainda grávido, sairei à procura deste cachorro-quente que nem durante o dia devo mais encontrar tão facilmente. Do desejo de saborear o vinho, conseguirei me desembaraçar quando eu quiser. O vinho, das mais diversas qualidades e preços, qualquer pessoa encontra em dezenas de locais aqui na minha rua.
Boa noite, bom domingo e amanhã nos falamos.
Se eu acordar.
Remisson Aniceto
SP, 30 de março de 2025
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