A energia nuclear no Brasil

Há 25 anos, começava o pesadelo radioativo com o césio-137, em Goiânia, o maior desastre nuclear do mundo fora de uma usina. Hoje, o debate sobre o uso da energia atômica volta à tona: o Brasil deve aproveitar sua capacidade de enriquecimento de urânio e se tornar potência ou tem que abandonar o projeto?

a discussão do tema reaparece mais viva diante da real necessidade de o Brasil produzir energia para se desenvolver. Mas, por trás da diversificação da matriz energética estão fatos mal explicados, como um suposto programa nuclear clandestino promovido pelo governo brasileiro e os perigos iminentes que a energia atômica traz.

 

Por outro lado, o Brasil possui a sexta maior reserva de urânio do mundo e é um dos poucos países que dominam a tecnologia de enriquecimento para a geração de energia termonuclear com fins pacíficos. Não há dúvidas que a energia nuclear é importante no uso contra câncer e radioterapia, mas a fusão atômica para geração de energia é extremamente sensível e uma substância tão volátil como essa ainda não tem seus riscos sob controle.

 

Equacionar esse dilema é uma das decisões do atual governo diante das reais necessidades que o país se depara. Desde o acidente ocorrido em Goiânia, ainda hoje, as vítimas sofrem com os efeitos da contaminação, somam-se 64 mortes de indivíduos que tiveram contato com a substância, além de mais de 6 mil moradores contaminados e incontáveis casos de cânceres e tumores produzidos pelos dejetos de uma pequena cápsula.

 

Soma-se ainda, o recente acidente na usina de Fukushima, no Japão, que veio para reforçar o aviso cada vez mais urgente de se repensar sobre o uso dessa energia. O governo brasileiro não tem planos para desmantelar as duas usinas em funcionamento em Angra dos Reis (RJ). Ao contrário, não foram paralisados os esforços para a construção de uma terceira estação de geração nuclear, Angra 3.

O ministro de Minas Energia Edison Lobão informou que todas as usinas nucleares brasileiras passarão por testes de segurança, que serão realizados por técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e da Eletronuclear. “No momento, vamos fazer uma avaliação, assim como os outros países também estão fazendo”, disse. Porém, Lobão ressaltou que as obras de Angra 3 não serão interrompidas e que o governo continuará garantindo a produção de urânio sem prejuízo para os produtores.

 

Entretanto, esse cenário é incerto para empresas de equipamentos nucleares, especialistas da comunidade científica se dividem sobre a importância dessa tecnologia e a opinião pública é cativada a não aceitar a fonte.

O governo cogita, inclusive, uma possível abertura do setor à iniciativa privada. Especula-se que a Areva, empresa que assessora a Eletronuclear e que irá fornecer equipamentos para Angra 3, nada tem a acrescentar em termos tecnológicos; o reator da usina foi entregue na década de 80 fornecido pela Siemens, em outras palavras, com tecnologia de mais de 30 anos atrás. Contudo, sobre as reuniões nebulosas que ocorrem nas dependências do Ministério de Minas e Energia, dizem que a nova planta deverá incorporar os avanços tecnológicos, controle digital, além de oferecer um modelo integrado com todas as atividades da produção nuclear.

 

Só na falta de opção

O Brasil é pioneiro na tecnologia de extração e refino de petróleo, é um dos lideres em geração hidráulica, tem a melhor tecnologia para produção de etanol e biodiesel do mundo e desponta em energias renováveis como a eólica. Então, por que quer investir em energia nuclear?

 

Segundo os dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as duas usinas nucleares do Brasil respondem por 1,68% da matriz elétrica, ou seja, caso as termonucleares sejam desativadas, não existiria a possibilidade de um possível racionamento de energia, pois representam uma parcela ínfima da geração.

 

Mesmo assim, apesar de ser um país que foge à regra quando comparada com a matriz energética dos europeus, a realidade brasileira hoje é de crescente necessidade de energia em curto prazo. De acordo com projeções do Operador Nacional do Sistema (ONS) – que controla o sistema elétrico brasileiro –, a demanda de energia elétrica no Brasil ao longo da década deverá crescer a uma taxa média de 5% ao ano, saindo de um patamar de consumo total de 456,5 mil gigawatts-hora (GWh) no ano de 2010 para 730,1 mil GWh em 2020.

O desafio de acompanhar a demanda expõe uma infraestrutura elétrica envelhecida e a possibilidade de considerar a energia atômica como uma opção. Por outro lado, a história é testemunha de que essa tecnologia é de alto risco e que em casos de acidentes é quase impossível controlar a situação.

 

Mesmo o acidente com o césio em Goiânia e o recente acidente nuclear ocorrido no Japão, o programa nuclear brasileiro continua firme. À frente dos empreendimentos está a Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras que até 2015 deverá colocar Angra 3 para funcionar. Entretanto, o Greenpeace Alemanha divulgou, em conferência de imprensa em Berlim, dois estudos que avaliam a possibilidade de uma catástrofe nuclear acontecer em Angra 3 e suas possíveis consequências.

 

Os relatórios expõem as falhas existentes no projeto da usina nuclear e explica que a ausência de certos componentes essenciais de segurança poderiam fazer com que o Brasil tivesse uma catástrofe ainda maior do que a de Fukushima.
Para o coordenador da campanha de energia do Greenpeace, Ricardo Baitelo, “o Brasil tem diversas opções como Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em Minas Gerais e São Paulo – onde estão os principais mercados consumidores de energia. O potencial conhecido hoje das PCHs chega a 25 GW e corresponde à potência de duas Itaipus”.

Já o governo brasileiro diz que a prioridade do país está focada nas energias renováveis, principalmente hidrelétricas. Em entrevista, o secretário do Ministério de Minas e Energia (MME), Altino Ventura, apontou como serão as diretrizes do governo. “Precisamos escolher a fonte que cause menor impacto e que tenha menor custo unitário. Estamos entrando em uma economia de escala e a energia hidráulica está na faixa de R$ 100,00, ou seja, é uma das mais econômicas.”

 

A solução que ainda é problema

A energia atômica é alvo de controvérsia mundial há mais de 50 anos, quando o presidente americano Eisenhower propôs, em discurso na ONU, o programa atômico pela paz. Hoje, a busca por fontes de energia está levando o Brasil a apostar em caminhos tortuosos na energia nuclear, como em 2010, quando, com a Turquia, mediou um acordo sobre as condições de troca do urânio iraniano levemente enriquecido do Irã, por urânio enriquecido a 20%. Todavia, o país liderado por Mahmoud Ahmadinejad, por fortes tensões com os EUA e Israel, não parece estar disposto em usar a energia atômica para fins pacíficos.

O Brasil domina o ciclo de produção do combustível nuclear e está construindo seu primeiro submarino com propulsão atômica. A revelação de detalhes estratégicos sobre essa tecnologia e os bastidores escusos do programa nuclear estaria no topo das preocupações de quem, no governo Dilma, insiste em manter o sigilo eterno de documentos que datam de mais de 20 anos. Todavia, o programa atômico brasileiro é de longa data e, assim como tem competência para fusão de energia nuclear para geração de energia elétrica, especula-se que também tenha know how para fins bélicos.

 

Por outro lado, é pouco provável que Brasil se enverede na construção de uma bomba nuclear, visto que há anos o país reivindica um acento permanente no conselho de segurança da ONU e é a favor do Tratado de Não Proliferação Nuclear.

 

O passado que o Brasil tenta esconder

Especula-se que as Forças Armadas tentaram desenvolver armas nucleares, com a ajuda de Saddam Hussein. Em 1990, o presidente Fernando Collor jogou uma simbólica pá de cal em um poço de 320 m para testes nucleares na serra do Cachimbo, no Pará. A suspeita é que ele teria sido construído com recursos e tecnologia iraquiana, sob a benção de Saddam Hussein para abrigar testes do programa daquele país. O poço é só um pedaço do quebra-cabeça de uma série de operações clandestinas, iniciadas no governo militar de Ernesto Geisel, para garantir ao Brasil a tecnologia necessária para fabricar a bomba atômica (e ogivas para mísseis nucleares).

 

Na prática, sobretudo a partir do início da década seguinte, o governo manteve dois programas nucleares: o oficial, com fins pacíficos, e o paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime que defendiam que a única maneira de o Brasil ser respeitado no mundo seria ter a bomba.

 

Além disso, entre 1979 e 1990, o Brasil exportou toneladas de urânio (a matéria-prima das bombas) para Saddam. O roteiro nebuloso inclui espionagem e suborno de técnicos e autoridades estrangeiras, entre outras manobras, que até alimentaram uma CPI sobre o tema. A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia nuclear para fins bélicos, mas o esforço dos militares por uma abertura lenta, gradual e, sobretudo, segura sobreviveu até 1990, conforme confirmou mais tarde José Carlos Santana, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, no governo Collor. Quando o Cnem do Brasil deixou de funcionar, o país estaria prestes a fazer o primeiro teste.