“A minha avó, sempre desperta antes de todos, recebia-me com uma grande chávena de café com migalhas de pão e perguntava se eu tinha dormido bem. Se eu lhe contasse algum sonho ruim, surgido das histórias do meu avô, ela me tranquilizava com uma sabedoria simples: ‘Não ligue, os sonhos não têm firmeza.’ Naquele tempo, eu pensava que, embora sábia, ela não alcançava a profundidade do meu avô, que, debaixo da figueira, ao lado do neto José, parecia mover o universo com apenas duas palavras.
Muitos anos se passaram. Quando meu avô já havia partido e eu me tornara um homem alto, percebi que até minha avó acreditava em sonhos. Essa verdade me foi revelada numa noite em que, sentada à porta de sua humilde casa, olhando para as maiores e menores estrelas, ela disse algo que nunca esqueci: ‘O mundo é tão lindo, e eu sinto muito por morrer.’ Ela não disse que tinha medo de morrer, mas pena de morrer, como quem, após uma vida de árduo trabalho, recebia o supremo consolo de um adeus cheio de beleza.
Naquele momento, compreendi que a casa, embora pobre, era extraordinária, pois nela viviam pessoas que podiam dormir com porcos como se fossem filhos, pessoas que tinham pena de deixar a vida só porque o mundo era bonito demais para se despedir. Pessoas como meu avô Jerônimo, pastor e contador de histórias, que, ao sentir a morte se aproximar, caminhou entre as árvores do seu jardim, abraçando-as e chorando, porque sabia que nunca mais as veria.”
— José Saramago, que nasceu em 16 de novembro de 1922 em Azinhaga (Portugal), foi um dos maiores escritores de língua portuguesa de todos os tempos. Morreu de leucemia em 18 de junho de 2010 em Tías, nas Ilhas Canárias.
Imagem: mst.org.br
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