De todos os livros de culinária que já li, tem o meu apreço especial este Fogão de Lenha, em capa dura, da Maria Stella Libânio Christo, cuja introdução é de Aureliano Chaves, que à época da 1ª edição (1977) era o governador de Minas. Sim, este é um livro de receitas mineiras, que traz lindas ilustrações relacionadas ao tema, todas tiradas do Álbum Debret, das quais destaco algumas: O jantar; Negras vendedoras de angu; Transporte de carne verde; Armazém de carne seca…
Não sei se este é um livro de culinária mineira ou de receitas de poesias, crônicas e cartas sobre cozinha e suas gulodices, dada a excelência dos nomes que desfilam pelas suas páginas: Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Autran Dourado, Códice Costa Matoso, Cecília Meireles, Antônio Lara Resende (pai do Otto Lara), Manuel Bandeira, Cora Coralina…
Vale a pena divulgar aqui algumas das pérolas dos ajudantes de cozinha recrutados por Maria Stella. Os textos destes incomparáveis auxiliares temperam de forma inigualável as primorosas receitas de doces, sopas e quitutes desta obra-prima da literatura. Renato de Barros diz: “Rosca, broinha e pão de queijo/são tão gostosos/quanto da moça o beijo” (1953). Manuel Bandeira avisa: “Mamãe não avisou que vinha./Se ela vier, mando matar/uma galinha”. E Drummond complementa: “Havia jardins, havia/ manhãs naquele tempo!”
Há muitas outras curiosidades literárias nesta obra, registros de receitas e documentos afins que remontam à época do Império, cartas e até quadras, como esta de Cecília Meireles:
“Passas longe, entre nuvens rápidas,
com tantas estrelas na mão….
– Para que serve o fio trêmulo
em que rola o meu coração?”
Certamente hão de me perguntar: Cadê as receitas? Você não vai escrever uma sequer? e respondo: Receitas de bolos, doces, quitutes e outras iguarias encontramos em muitos livros, uns melhores, outros piores. Este Fogão de Lenha situa-se acima dos demais, sem dúvida, mas o meu forte não é o labor da cozinha. Após ler o livro duas vezes, resolvi, certo dia, preparar uns olhos de sogra e fui ao índice sistemático, página 131. Claro que voltei duas páginas para passar os olhos (os meus, não os de sogra) na introdução do Pedro Nava (Baú de Ossos, Rio, 1973), um verdadeiro tratado sobre o melado e a rapadura. Extasiado, esqueci a receita dos olhos de sogra e me dirigi a outro texto, depois outro, e outro e mais outro… Quando dei por mim, já era muito tarde para executar a receita que eu, totalmente desprovido de dotes culinários, certamente não conseguiria levar adiante. E toda vez que tenho este livro nas mãos ocorre o mesmo, perco-me nas suas páginas deliciosas, esqueço do mundo, me alimento de Drummond, Cora Coralina, Bandeira, Dantas Mota, Rubem Braga, Cecília Meireles, Pedro Nava…
Sendo o Fogão de Lenha um livro de receitas de cozinha, o leitor pode não concordar comigo, mas considero estas como secundárias, elevando os demais textos ao primeiro plano. Ainda assim, reafirmo que esta obra, para o que se propõe (mesmo que se suprimissem os demais textos) seria superior a todas as outras do gênero e indico sua leitura a todos os que apreciam a boa literatura e a boa mesa, quem não se sobrevive sem uma nem outra.
Finalizo com o preceito bíblico (Provérbios 14: 23) transcrito na página 156: Mais vale um prato de verdura com amizade, que um boi com inimizade.
Um abraço!