Literatura, para quê?

A literatura é a arte que caminha com a vida e caminha dentro dela, pois uma não existe sem a outra. E somente quem é artista consegue sobreviver, mesmo que a arte que corre nas suas veias nunca transborde. Portanto, não há como dissociar a literatura da vida, que são como irmãs gemelares, o que não significa que não haja entre elas desavenças e conflitos de opiniões. Mas quem vive num contínuo mar de rosas? Quem não precisa vencer obstáculos a cada dia, concordar, discordar, e sobretudo aceitar que as diferenças unem tanto quanto ou até mais do que as semelhanças? A literatura, como outras artes, possibilita um intervalo, uma bandeira branca entre as batalhas diárias da vida, um descanso para os olhos cansados, um fôlego para recarregar as energias e prosseguir em busca do melhor caminho. A literatura interrompe a monotonia e provoca o impacto sem ferir, para nos ensinar a refletir, a ponderar e aceitar, possibilitando (re)ver e analisar o nosso cotidiano com novos olhos, inclusive com olhos que até então não sabíamos que havia em nós. Ela é arte de grande abrangência, difícil de ser explicada além do espaço íntimo de cada escritor. Mesmo praticada por tantos, ela não perde seu caráter de arte contemplativa, sendo amplamente discutida o tempo todo pela crítica literária do mundo inteiro.O ato de escrever é, no meu entendimento, um processo personalizado, e afirmo isto considerando as opiniões de cada escritor sobre a sua forma ou técnica de escrever. Comigo tudo ocorre naturalmente, sem precisar me refugiar num quarto ou numa casa isolada da praia, nem tapar os ouvidos – para citar algumas manias de muitos escritores e escritoras. Andando pelas ruas, vendo um filme, ouvindo uma música, despertando de um sonho, lendo um livro ou uma notícia, o que me inspira pode surgir a qualquer momento e em qualquer lugar. As imagens e os sons da natureza e o barulho das ruas movimentadas podem me inspirar da mesma forma de quando estou isolado ouvindo a voz do silêncio em um quarto escuro. Aí sim, independente do lugar e da hora, aprisionada a ideia central que os ventos do pensamento me trazem, preciso imediatamente libertá-la num papel, antes que ela escape, pois esqueço com extrema facilidade. Depois, com mais tempo e mais calma, vou acrescentando àquela semente depositada na folha a minha visão de mundo e as impressões colhidas por onde e por quem passo. Há, em todas as formas de arte, conexões que podem ser vistas de diferentes ângulos por cada pessoa, e inclusive a mesma pessoa pode encontrar, numa segunda observação, elementos deste compartilhamento que passaram despercebidos. Embora haja limites próprios e específicos que caracterizam a identidade de cada expressão artística, não podemos negar os intercâmbios de ideias, sons, cores e linhas que fazem com que um determinado artista consiga entender e transitar tranquilamente no espaço criado por outro de expressão diversa. Há música na poesia, há poesia na pintura, no conto e na crônica, assim como no teatro e no cinema podemos nos deliciar ao mesmo tempo com a literatura, a pintura, a música, a dança, a escultura etc. Esta natural pluralidade no fazer artístico é que possibilita o diálogo que harmoniza as tantas formas de arte. Não me exulto demais e também não perco o ânimo quando alguns especialistas em literatura elogiam ou criticam negativamente o que escrevo. Digam o que disserem, que continuarei escrevendo para sobreviver ao caos que contamina o mundo, para combater este caos e sobretudo para não me acostumar com ele. E por enquanto vou sobrevivendo.

Remisson Aniceto


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *