
Subia
Pedro a rua da Prudência, já cambaleante pelo excesso de
aguardente.
Subia Pedro, garrafa cheia na mão e pensava.
– Por quê Ana foste embora, levando contigo João e Maria?
– Por quê abandonaste a casa, o ninho por nós construído?
Pedro, pobre Pedro embriagado, via tudo pelo prisma distorcido da companheira
que há muito lhe ajudava, aguardente da boa era verdade, mas
as idéias de Pedro há muito perturbava.
Então já cansado da vida que ele mesmo procurara, resolve
Pedro anunciar a sentença mais sofrida que algum dia já
sonhara.
– Morte, amiga Morte, porque a mim tu não levas, nada tenho neste
mundo que ainda me anime a continuar por aqui.
Só que Pedro não sabia, que na rua da Fé, ali ao
lado, andava a Morte a procurar algum desesperado. E escutando seu pedido
ela então subitamente para Pedro aparece.
– Pedro, aqui estou eu, não costumo atender tão prontamente,
mas estava eu tão perto que abri uma exceção.
Pedro então desnorteado, solta a garrafa de aguardente, pensando
instantaneamente.
– Nunca mais bebo nesta vida.
– Quem é tu, figura estranha, toda de preto, carregando esta
foice, achas que me assusta pelo adiantado da noite?
– Calma Pedro, diz a Morte, foste tu que me chamaste, de amiga me denominaste,
vim atender teu pedido.
Pedro então desesperado, chega a conclusão que não
quer morrer agora, afinal pode até ser que ainda encontre na
vida algo que lhe dê prazer.
– Não D. Morte, não é bem assim, é força
de expressão, são momentos de desespero que a aguardente
dá vazão.
– Sinto muito amigo Pedro, mas depois que chego perto, só parto
novamente carregando o ser vivente que a mim pediu ajuda.
– Não Sra., D. Morte, deve existir alguma coisa que a faça
mudar de idéia, afinal este radicalismo nem da morte se aceita.
– Existe sim uma maneira, mas ninguém ainda conseguiu, para se
livrar de mim, tem que pegar minha foice e dar cabo a minha vida, ou
seria minha morte?
Pedro então encorajado, pelo muito de aguardente, que ainda pelo
sangue lhe corria, entra nesta luta insana e tenta vencer a Morte, tirando
dela sua vida, ou seria sua Morte?
E daquelas coisas inusitadas que só acontecem em ruas estranhas
e em algumas madrugadas, Pedro vence a morte e vê no chão
sua cabeça decepada.
A Morte muito estranha, afinal nem ela mesmo sabia se a morte morria,
pega sua cabeça e sai em disparada.
Desce a rua da Prudência e encontra-se na esquina da Fé
com a Solidariedade. Ali, um pouco refeita do susto que levara, coloca
novamente a cabeça no lugar e só por aquela noite resolve
ninguém levar.
Pedro, embasbacado, olha pra todo lado, e encontra sua garrafa em um
canto jogada.
– Companheira, minha amiga, a ti sim, entrego a vida, só pode
ter sido a força da aguardente que me transformou no valente
que matou a Morte, se é que a Morte tem vida.
Mas ficou para Pedro um problema, muitos anos se passaram e agora o
pobre Pedro, realmente quer dar cabo na vida.
Tenta ele vez em quando, subir a Prudência com a aguardente lhe
acompanhando e para bem naquele ponto, onde teve o encontro que da Morte
tirou a vida, e repete a sentença por ele proferida.
– Morte, amiga Morte, porque a mim tu não levas, já não
agüento esta vida.
Mas a Morte agora esperta, não se aproxima de Pedro, porque a
Morte também tem medo e não quer perder a vida, seja ela
vida ou morte.
E agora fica assim, Pedro corre atrás da Morte para acabar com
a vida.
E a Morte foge de Pedro, pra continuar sua vida ou quem sabe sua morte.
Iara Gonçalves